Thursday, May 14, 2009

Robin Hood às avessas

Depois de pensar e pensar, o governo federal finalmente bateu o martelo em relação às mudanças na caderneta de poupança. E, para evitar desgastes políticos maiores - apesar de a oposição já ter se manifestado dizendo que vai barrar a proposta no Congresso - acabou tomando apenas medidas paliativas. 


Mais uma vez o governo demonstrou fraqueza diante dos grandes investidores e instituições bancárias e deixou de atacar o cerne da questão.

Tenho uma série de restrições em relação às medidas anunciadas ontem pelo ministro Guido Mantega.

A primeira delas é o piso definido pelo governo para a taxação da poupança, R$50 mil. É um valor de triste memória. Para quem não se lembra ou não viveu o período,  O Plano Collor confiscou as poupanças que tinham mais de 50 mil - na época cruzados. Todo o dinheiro das cadernetas, acima desse valor, foi bloqueado e transferido para o Banco Central na segunda quinzena de março de 1990. Ou seja, acabamos de completar 19 anos de confisco.

A segunda é o tratamento dispensado aos investidores que possuem mais de R$ 50mil em caderneta de poupança. Da maneira como foi exposto pela equipe econômica e reproduzido pelos jornais, parece até que quem tem saldo acima de R$ 50mil é um mega-investidor que não precisa do dinheiro e tem mais é que pagar Imposto de Renda pelos seus rendimentos extraordinários.

É preciso avaliar melhor essa questão. Até as árvores sabem que a caderneta depoupança é o investimento com o perfil mais conservador que existe na face da Terra.  A poupança foi criada em 1967 e acompanhou a evolução da aceleração inflacionária das décadas de 70 e 80. A aplicação começou tendo remuneração anual, foi para semestral, depois trimestral e acabou mensal. Hoje, é um ativo financeiro que sobrevive como herança do período de alta inflação no Brasil.

Seu principal atrativo é a segurança. O rendimento, ao contrário das outras aplicações, é garantido em, no mínimo, 6% ao ano. Quando os juros estavam em alta, 6% ao ano era desprezível. Agora, passou a ser muita coisa, principalmente porque - até a semana passada - era o único rendimento isento de tributação pelo Imposto de Renda.

O que eu quero dizer com isso? Que quem tem mais de R$50mil aplicado em poupança - hoje, ressalte-se - não é um grande investidor, no sentido de investidor como aquele cara que vive correndo atrás de grandes lucros. Pelo contrário. É um conservador com carteirinha e firma reconhecida. 

Vou citar um exemplo de investidor que eu conheço bem e que, na minha opinião, reflete o perfil de quem tem saldo acima de R$50 mil: Um militar da reserva com quase 80 anos e que nunca investiu em nada diferente de poupança. É nela que ele guarda todas as suas economias - perto de R$ 70mil - em duas cadernetas. O dinheiro é, de vez em quando, sacado para viagens, mas o grosso fica lá, aguardando para ser usado numa emergência.

Outra coisa importante e que o governo fez questão de não dizer é que, apesar de os poupadores com saldo acima de R$ 30mil representarem apenas 2% do conjunto de depósitos, eles respondem por, pelo menos, 54% do total em carteira no País. Ou seja, são eles - senhores e senhoras com mais de 70 anos, em sua maioria - que bancam o crédito imobiliário brasileiro. Então o governo deveria pegar mais leve se referir a essa turma. 

A minha terceira e última restrição às mudanças anunciadas pelo governo é que, para afastar os investidores-especuladores da poupança, o governo taxou com IR as economias dos velhinhos e, como contrapartida, para manter os tubarões onde eles estão, reduziu a incidência do Imposto de Renda sobre os fundos de investimento. Pelas novas regras e com a Selic no patamar atual -onde, aliás, ela não permanecerá mais depois da próxima reunião do Copom, em junho - o governo está entregando na mão desses cidadãos R$ 3,5 bilhões, em renúncia fiscal, para que eles continuem especulando livremente no mercado. Olha que lindo!

Se a ideia era aumentar a atratividade dos fundos, a melhor saída seria pressionar os bancos a reduzir as taxas de administração das aplicações que hoje são absurdas - compatíveis apenas com da voracidade pelo lucro das instituições bancárias. O próprio Mantega admitiu essa semana que as taxas são "quase um assalto à mão armada". E aí? Então porque o governo não faz nada?

Em resumo, o governo continua sinalizando que está na mão dos bancos e dos grandes investidores. São eles que mandam de verdade na macroeconomia nacional. Mais uma vez, abre-se  mão de receita que poderia ser aplicada no setor produtivo para financiar a sanha de lucro daqueles que só querem especular.

 


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